Bioquímica do Alzheimer

“Como é terrível o dom do conhecimento, quando não serve a quem o tem!”

terça-feira, 18 de setembro de 2012


Doença de Alzheimer: Apolipoproteína E


Lipoproteínas são elementos precípuos no transporte e metabolização de lipídios no organismo. São caracterizadas de acordo com sua estrutura, seus aspectos bioquímicos e propriedades fisiológicas. As apoliporoteínas correspondem à fração protéica desses compostos de composição mista, conferindo-lhes características estruturais de solubilidade e estabilidade no meio aquoso, ao mesmo tempo em que lhes permitem atuar como ligantes para receptores que medeiam o transporte e distribuição de lipídios através das membranas e efetores alostéricos de enzimas metabolizadoras de lipídios.

Dentre as principais apoliproteínas encontradas no cérebro está a ApoE( apolipoproteína E). Trata-se de uma glicoproteína contendo 317 aminoácidos que, uma vez sintetizada nos hepatócitos e nos astrócitos e células da micróglia do Sistema Nervoso Central, é exportada ao plasma ou ao líquido cerebrospinal, onde passa a circular conjugada como componente principalmente de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) e de lipoproteínas de alta densidade (HDL), por sua vez, envolvidas no trânsito de triacilgliceróis e colesterol pelos diferentes tecidos. A ApoE exerce um papel essencial no catabolismo de componentes ricos em triacilgliceróis ( ácidos graxos esterificados ou triglicerídeos) no corpo humano. Deficiências dessa proteína implicam inúmeras doenças envolvidas com a elevação no nível de colesterol e triacilgliceróis na circulação, em virtude do não reconhecimento dessas moléculas pelos receptores de membrana dos quilomícrons (lipoproteína formada no intestino delgado e rica em triacilgliceróis oriundos da dieta) e das moléculas de VLDL presentes no fígado. Devido ao aumento na concentração dessas substâncias no sangue, é que a ApoE é bastante estudada em doenças cardiovasculares, apresentando uma ligação direta com estenoses e infartos. A ApoE constitui de 10% a20% das moléculas de VLDL e de 1% a 2% das de HDL. Visualize abaixo a conformação tridimensional da ApoE4. Em seguida, observe a forma como triglicerídeos, colesterol e proteínas se agregam para compor a estrutura de uma lipoproteína (VLDL, HDL,LDL,etc).







Até o momento, credita-se a DA de início precoce a mutações em genes que codificam para a proteína precursora da Beta-amilóide (APP: b-amyloid precursor protein-21q21.3), presenilina 1 ( PSEN1: presenilin 1- 14q24.3) e presenilina 2 ( PSEN2: presenilin 2 - 1q31­q42). Mutações nos genes indicados acima respondem por aproximadamente 40% dos casos de DA com início precoce ( revisão em Tanzi e Bertram, 2001). Entretanto, a DA de início precoce foge ao padrão de origem dos primeiros sintomas de DA, em que aproximadamente 95% deles surgem tardiamente. O espectro de mutações gênicas para os casos de DA de início tardio é mais variado. Contudo, somente o alelo ε4 do gene ApoE (19q13.2) aponta para uma associação consistente com a DA em vários estudos independentes (revisão em Laws et al., 2003).
Na posição 13.2 do braço longo (q) do cromossomo 19, localiza-se o gene ApoE. Este apresenta quatro éxons ( 1156 nucleotídeos dos 6740 nucleotídeos do transcrito primário, com mRNA rico em guanina e citosina) e três alelos principais cognominados de ApoE ε2, ApoE  ε3 e ApoE ε4, que codificam às isoformas de ApoE designadas, respectivamente, por ApoE2, E3 e E4 e que se distinguem entre si, no éxon 4 do códon, pelo conteúdo de arginina na posição 158 e de cisteína na posição 112. Por permutação desses três alelos principais, originam-se seis possíveis genótipos: ε2/ε2, ε2 / ε3, ε2/ε4, ε3/ ε3, ε3/ε4 ou ε4/ε4. Abaixo, demonstração do loci gênico da ApoE.


A ApoE3 é identificada por uma arginina na posição 158 e uma cisteína na 112 e apresenta uma frequência de 74% a 78% em populações caucasianas.
NA ApoE4, com frequência de 14% a 15% nesse mesmo grupo étnico, consta o aminoácido arginina em ambas as posições ( 112 e 158 do códon). Já ApoE2 apresenta cisteína nas duas posições do códon e prevalência de apenas 8% a 12% em caucasianos.
 A isoforma ApoE2 parece ser um fator de proteção à DA, enquanto a ApoE4 é tida como um fator de risco. Quando da presença de apenas um alelo ε4 existe um risco de 3 a 4 vezes maior de desenvolver a DA em comparação à população geral. Pior prognóstico de risco é dado aos indivíduos com dois alelos ε4. Nestes o risco aumenta para 8 ou até 14 vezes mais em relação à população geral.
Dois modelos tentam explicar o papel da ApoE no acúmulo de proteínas Beta-amilóide: no primeiro, a forma solúvel dessa proteína interagiria com a ApoE da lipoproteína e seguiria para a endocitose mediada por um receptor. Posteriormente, as lipoproteínas são digeridas por enzimas lisossômicas, o que libera o colesterol à célula. Nessa organela, uma fração do complexo ApoE-Proteína Beta-amilóide  é degradada. Todavia, o restante da ApoE que permanece associada à Beta-amilóide promove a agregação desta em fibrilas amilóides, as quais serão secretadas de volta ao meio extra-celular. Dentre as isoformas de ApoE, a ApoE4 é a que apresenta afinidade maior pela Proteína Beta-amilóide. Portanto, pode ser esperada uma aceleração no processo de formação de placas senis nos casos de DA. No segundo modelo, a ApoE4 não só favorece a entrada de proteína Beta-amilóide na célula nervosa, mas também enseja a síntese desse polipeptídeo  através da liberação de colesterol no interior da célula. Isso porque após a endocitose mediada por receptor e a digestão enzimática das lipoproteínas, o colesterol é liberado para as membranas celulares. Maior quantidade de colesterol é encontrada nas lipoproteínas com ApoE4, e o aumento do conteúdo desse esterol nas membranas celulares induz um aumento na síntese de proteína Beta-amilóide, resultando em uma liberação maior desta para o meio extracelular (revisão em Puglielli et al., 2003).
A presença de dois alelos ε4 não é uma condição necessária, tampouco suficiente, para o aparecimento da DA. Nos diferentes grupos étnicos, a presença do alelo  ε4 da ApoE varia significativamente. O risco parece ser maior em caucasianos e africanos, porém menor entre africanos e hispânicos. Existem muitos indivíduos que, embora apresentem a isoforma ApoE4, nunca chegam a desenvolver DA. Ademais, estimativas  indicam que ao menos 40% dos pacientes com DA esporádica(não familiar) não apresentam aquela isoforma e, sabe-se que, mesmo indivíduos com a isoforma E2, não estão necessariamente imunes à DA. Por essas razões é que a identificação desses marcadores mediante realização de testes não é indicada, pois, inexistindo uma prevenção comprovada à DA, poderiam ser incitados sentimentos de angústia e apreensão aos portadores.



Retirada da fonte bibliográfica 1.

Bibliografia:
Autor: Pedro Lôbo de Aquino Moura e Silva

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